Pular para o conteúdo principal

Saci-Pererê: Representante das Pessoas com Deficiência na Literatura Infantil

Na literatura infantil a representatividade importa sim! E deveria ser amplamente explorada com o intuito de gerar maior e melhor visibilidade acerca da diversidade humana, o que facilitaria e muito a vida de milhares de indivíduos que por não serem típicos,  acabam por serem segregados ou sofrerem as consequências de uma sociedade inculta e não inclusiva.

 

The Saci, Artur Mello Lattaro - Personal 3D

Encantada com o mundo da fantasia que os livros trazem para as pessoas, em especial às crianças, é possível contextualizar a importância da representatividade de todos seja nestes ou na vida cotidiana.

Em especial as crianças percebem  o quanto a representação traz sentido para a sua vida, quando elas conseguem a partir do outro compreender-se  fazendo parte de algo maior que elas, ou melhor pertencente ao mundo, e assim sendo se relacionam e convivem melhor com este mundo por sentirem-se efetivamente fazendo parte.

Desse modo, podemos dizer que a criança estabelece as relações, possivelmente de modo mais saudável, por esta percepção colaborar para a geração de sua auto imagem, além de fortalecer a sua auto estima.

De uns tempos para cá, as mídias principalmente tem atribuído maior espaço para que esta representação tão gritante e almejada ocorra, promovendo-a em comerciais, como também em sua programação esta tal representatividade. Outro ponto de destaque se dá as empresas de brinquedos que tem desenvolvido projetos que acolhem a diversidade, atribuindo riqueza na existência, por exemplo de bonecas usuárias de cadeiras de rodas, negras, como cabelos crespos e encaracolados.

A literatura infantil também deveria colaborar mais para este processo, e sim, tornar-se mais atrativa ainda. Dito isso, através da leitura podemos avançar mais, aprender mais sobre temas que até então são deixados de lado, sem a devida atenção, todavia importantes. 

Devemos praticar mais, a pesquisa, o estudo antes mesmo de nos pronunciarmos acerca de determinado assunto, tema. Monteiro Lobato nos mostra isso com muita propriedade, nos ensina prioritariamente que, quando ao desejar falar sobre o Saci em suas obras, questiona publicamente sobre a origem do mesmo, buscando compreender a visão que o mundo tinha acerca deste ser tão intrigante. E lá, no livro de Monteiro Lobato  Saci-Pererê: resultado de um inquérito, temos acesso a inúmeros depoimentos que vão desde professores, psicólogos, leitores, pessoas letradas, outras nem tanto etc.

Quando vemos o Saci, tão inteligentemente explorado por Monteiro Lobato, é possível compor que o mesmo exerce um papel fundamental no que se refere a representatividade de pessoas negras, mas também aquelas que possuem alguma deficiência, como o fato do moleque Saci, ter um perna amputada. E sua condição não impede que ele reine, que ele apronte, brinque, interaja  fortemente com os demais. Demonstre sua inventividade e agilidade, ao locomover-se tão habilmente. Sim, é certo que para muitos, ele é um danadinho, mas psicologicamente falando agora, ele traz a vivacidade para aqueles que muitas vezes percebem-se como incapazes por possuírem uma deficiência, e não obstante aos demais que acabam por assistir as inúmeras habilidades e competências que o danadinho tem, e que sobressaem a sua condição física.

Dizem os amigos que esse tal Saci é filho do vento, só quer brincar. Nunca fez mal a alguém, mas que existe é verdade. 

Depoimento de Manoel da Barroca, pág. 30 

Grande parte das características levantadas deste perneta pertencente ao folclore brasileiro são positivas: duende genuinamente nacional, vivaz, inteligente, bom cavaleiro, protetor de ninhos de passarinhos, forte, entroncado, travesso... Em contrapartida, é certo também que existem pontos críticos que assustam e trazem a tona certa perversidade em suas ações. Mas, mesmo assim, Monteiro Lobato, nos evidencia o que há de melhor do Saci, bem elucidado em sua obra, trazendo o levante de conhecermos mais sobre nós mesmos e alcançarmos assim a independência cultural. Temos tantas histórias incríveis da nossa cultura deixadas de lado, para enaltecermos as princesas de outros reinos, por exemplo. 

Há, no Brasil, muita coisa digna de ser estudada pra justa contribuição do nosso folclore.

Depoimento de André Capeta, pág. 31 

Outro aspecto relevante que cabe a reflexão, o Saci não nasceu com a deficiência, ela foi adquirida em vida, algo que pode ocorrer com todos nós, pelo simples fato de estarmos vivos e existirem muitos riscos nesta aventura. Inclusive, na série brasileira Cidade Invisível, o Saci é um escravo fujão, que após ser açoitado, é mantido acorrentado em uma de suas pernas, e ele escolhe por cortá-la com o facão, para conseguir fugir daquela realidade,  a escravidão. Corajoso. Sobrevive. E o curioso é que neste caso, vemos a deficiência como libertação. Ou melhor, o fato de se tornar um perneta, uma pessoa com deficiência disponibilizou a ele o mundo, representando a resistência, rebelião, liberdade... 

Seria de bom tom que essa prática ocorresse em todas as circunstâncias com a intenção de promovermos a aceitação das diferenças do outro, através do respeito e entendimento sobre.  Creio que assim teríamos muito menos preconceito e discriminação presentes em nossas vidas.  O mundo seria menos cruel e horrível, com aquilo que é diferente do que sou ou penso. 

A riqueza de todo este estudo  se dá por conseguir captar que na visão do autor, que a pessoa vem primeiro e depois a sua deficiência. Traduzindo claramente que independentemente das diferenças, somos indivíduos no mundo, com o mundo, em que a diversidade deve ser respeitada, a partir do exercício da cidadania consciente, agindo empaticamente na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

E que venham novos pensares e mais "Sacis" em nossa Literatura Infantil. É isso aí!




Gisele de Luna, Psicóloga, Cerimonialista, Recreadora Educativa, Mãe típica e atípica. Especialista em Educação Especial com ênfase em Deficiência Intelectual, Física e Psicomotora. Empresária, acredita que "Em um mundo plural tornar um evento único é o seu desafio."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Tabela orientativa para transição de medicamentos de seu filho especial

Well, esses dias o Neuropediatra do meu filho prescreveu uma série de mudanças nas dosagens, como também períodos/fases, horários para ser administrado cada medicamento. Confesso, que marquei no azulejo da minha cozinha as mudanças, mas mesmo assim, me equivoquei em duas situações. Então, matutando, pensei que se tivesse algo sistematicamente escrito poderia me ajudar. Bingo, coloquei os dados em uma planilha em excel, separei a quantidade de dias, horários, períodos, a dosagem, os medicamentos, e cada fase de transição dos medicamentos. E digo, tem dado certo, pois conforme separo os medicamentos eu marco na folha impressa o que já foi administrado. Ufa... Gostaria então de compartilhar esta ferramenta gerada de controle na mudança da medicação do pequeno, assim podemos evitar erros de dar dosagem superior, ou esquecermos algum medicamento, ou passar da hora etc. A ideia é marcarmos conforme separamos e administramos na criançada... São muitos detalhes, e o erro faz o...

Em tempos de gente seca, chova amor

Enquanto lê, você pode ouvir: Músicas para Recomeçar E neste sentimento, e nesta crença " Em tempos de gente seca, chova amor..." retorno por aqui...  Nossa que saudade... Bem, indo direto ao ponto, minha vida deu uma virada de 360 graus. Não vou entrar em detalhes agora, pois não é devido, e não fará muita diferença. Importante, é saber que todos nós passamos por desafios, e se eles não nos matam, de fato nos fortalecem. E é assim que tem sido desde quando tomei uma das decisões mais difíceis, porém acertadas de minha vida. Começar de uma maneira diferente novamente requer coragem, foco, força e fé. Isso não me falta. Mas, cansa muito. Tem horas que vacilamos, estremecemos, e daí lembramos de todos os motivos pelas quais mudamos a direção de nossas vidas. Respiramos. Engolimos o choro. E, seguimos em frente. Um monte de projetos incríveis, montei um anexo para a Luna & Mel Assessoria em Eventos e Cerimonial muito retrô, rústico e vintage. Como tenho que ...

Parte 3: Fazer ou não uma Tattoo - Prós e contras, e agora José?

A ideia deste post é evoluirmos e pensarmos um pouco mais, já falei que nada ocorre por acaso do destino, todo e qualquer movimento na sociedade se dá em virtude de seu contexto histórico, então a análise não pode ser isolada. É fato também, que não podemos fechar os olhos as razões pelas quais existem tanto blá blá blá quando falamos em tattoos. Nos próximos parágrafos serão apresentados as vantagens "Prós" e as desvantagens "Contras " de se fazer ou não uma tattoo . E agora José? É apenas para atribuirmos a cada um de nós a responsabilidade de tomar esta decisão ou não. Estou quase chegando lá, e apresentarei também a Perspectiva religiosa das tattoos , é pecado ou não? E para isso, localizei um vídeo que encerrará este post. Vantagens e Desvantagens A tattoo marca nossa pele e é um tanto quanto complicada de ser removida (e sua pele nunca mais voltará a ser mesma). Por isso, leve em consideração que é um desenho que ficará em seu corpo para o re...